terça-feira, 7 de março de 2017

Entrevista com Anne Nurmi, Revista Rock Brigade

Lacrimosa, melancolia sem depressão.

Revista Rock Brigade
Por: Antonio Carlos Monteiro
Ano: 2002




Se a mistura de rock pesado com música gótica vem experimentando um grande crescimento nos últimos anos, nada mais lógico que o Lacrimosa seja uma das primeiras bandas a obter um lugar de destaque nesse gênero hoje tão disputado. Afinal, desde 1990 o vocalista, compositor e arranjador alemão Tilo Wolff resolveu registrar sua música influenciada tanto por Mozart como por Bauhaus e embalada por letras que tratavam de tristeza e depressão. A vocalista e tecladista finlandesa Anne Nurmi se juntou a Tilo em 93, quando o Lacrimosa - cujo o nome foi tirado de uma passagem do Requiem, de Mozart - já tinha três álbuns e dois EPs gravados, e a dupla passou a ser o núcleo da banda, que trabalhava sempre com músicos convidados.


Desde a entrada de Anne, foram mais oito álbuns, sendo que o último, Fassade, lançado no ano passado, vem obtendo críticas mais do que positivas de fãs e da imprensa especializada pela mistura na medida certa de peso, melodia, melancolia e música clássica. Anne Nurmi, em entrevista exclusiva para a Rock Brigade, concorda que o mix de elementos é o diferencial do Lacrimosa: "Sim, nós misturamos heavy metal e música clássica, além de incluirmos detalhes bombásticos, como corais. Mais, no momento, nenhuma descrição vai definir exatamente o que somos, tanto que é melhor dizer que temos um estilo próprio." Mesmo fugindo do rótulo "gótico metal", o lacrimosa gravou em Fassade faixas como Liebesspiel, um tema indiscutivelmente  calcado naquele estilo. Anne não se importa: "Nós escrevemos aquilo que sentimos. Música é uma forma de terapia e nada importa se ela vem do coração." Mesmo assim ela ressalva que a música em questão tem "uma série de outros elementos, como corais, e é isso que a deixa tão profunda." E encerra o assunto "gênero musical" quando comenta-se que detalhes épicos e até de música sacra são facilmente encontrados no disco: "Nós não gostamos de rotulações que nos aprisionem numa caixa, mas, se você quer colocar coisas desse modo, tudo bem para nós. Todos esses elementos fazem parte da nossa música, que nada mais é do que um retrato nosso como seres humanos", filosofa. "Nós esperamos que cada pessoa tenha sua própria maneira de entender nossa música. É preciso sentir a música com o coração e se ela significa algo para você nós ficamos felizes."

Títulos como Der Morgen Danach, Warum So Tief, Nichts Bewegt Sich e Stumme Worte podem causar algum espanto nos desavisados, mas quem conhece o Lacrimosa sabe que as letras em alemão são uma particularidade da banda: "O alemão é uma língua muito rica", diz ela, "e Tilo consegue exprimir seus sentimentos de uma forma muito mais clara desse forma." Só que esse diferencial está se tornando algo comum, já que outras bandas alemãs, como Umbra Et Imago e Rammstein, também preferem escrever em sua língua natal. Anne não perdoa e, apesar de não dar nome aos bois, não deixa por menos: "Algumas bandas usam o alemão pelo fato de a língua soar de um modo forte, até mesmo brutal, e isso combina bem com a música. Por outro lado, houve uma época em que era chique cantar em alemão, então muita gente lançava mão desse recurso, que, na maior parte das vezes, acabava soando muito falso, porque era feito apenas para se ganhar dinheiro. É lógico que existem grupos que cantam em alemão porque amam seu idioma, mas nem todos são assim."


Também no aspecto visual, o Lacrimosa mostra personalidade forte. Tanto que todas as capas de seus discos, assim como a grande maioria de suas fotos promocionais, são em preto em branco. Anne após comentar que ela e Tilo esboçam todas as artes das capas antes de passar para o artista plástico que vai  finalizar o trabalho, diz que "o preto e branco, na nossa opinião, tem funcionado muito melhor, já que a atenção não é desviadas pelas cores." Outra forma, digamos, diferente de se expressar visualmente está no logotipo do grupo. Apesar de toda a melancolia que transmite em suas músicas, a banda é representada por um palhaço: "Essa também é uma maneira de ver as coisas", justifica a vocalista. "Para nós, nossa música é melancólica, sim, mas nunca depressiva. Na nossa opinião, é algo profundo, mas nós nos preocupamos em envolver tudo com uma visão positiva das coisas. Tanto que há, também, músicas muito melódicas que, no nosso modo de ver, são bastante alegres." Anne pede que olhemos o palhaço do logotipo com atenção: "Você vai ver o riso e a alegria por um lado e a melancolia e a tristeza por outro. Todos nós temos esses dois lados, você pode não estar sempre feliz, mas, quando está triste, também deve deixar os negativos saírem de você",  aconselha ela, para desfechar: "No nosso caso, é nesses momentos que escrevemos nossas músicas."

A existência de tantos detalhes e a centralização que Anne e Tilo impõe explicam facilmente o fato de o Lacrimosa trabalhar apenas como uma dupla. "Só assim nós podemos ficar totalmente à vontade. As vezes, os músicos querem tocar temas de uma maneira diferente da qual eles foram escritos por não gostarem das nossas idéias. Acontece que nós temos uma visão bem clara sobre a maneira como queremos que elas soem e não nos damos por satisfeitos antes de termos exatamente o que desejamos como resultado final. É por isso que nossas produções levam tanto tempo. Se tivermos que  discutir cada detalhe com um monte de gente, vamos desviar nossa energia da música. Então, dessa forma, a vida fica muito mais simples para nós..."



Nota:
"Compartilho com vocês essa preciosidade que tenho guardado comigo faz muitos anos. Espero que tenham gostado."
Luan Wolff

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